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quarta-feira, maio 20, 2009

Viúva de Salgueiro Maia: medalha em vez de pensão

O momento da vitória de Salgueiro Maia. Foto de Eduardo Gageiro

Confesso que nunca gostei muito de militares. Ou mesmo nada. E o 25 de Abril, visto pelo lado dos heróis de Abril, ainda me excita menos. Nunca acreditei muito na bondade dos que fizeram o 25 de Abril. Sempre achei que aquilo tinha sido obra de uns descontentes com a féria e com as regalias e que depois de terem andado a facturar em campanhas de África decidiram meter na ordem os velhadas do Regime e, numa inspiração política de autodidactas,fizeram uma golpaça, uma espécie de revolução. Mais reaccionário que isto parece não poder haver.

Claro que o 25 de Abril foi porreiro pá, e nas circunstâncias de então era muito demorado implementar aqui a democracia europeia, pois Marcelo era medroso e a guerra não ajudava. Com a perspectiva de legalizar um partido comunista stalinista....maiores eram os medos dos trogloditas da situação.

Isto para dizer que salgueiro Maia foi talvez o único militar que sempre me inspirou ternura, admiração e gratidão cívica. Foi o único que resistiu ao apelo do Poder e que no dia seguinte ao golpe, recolheu a Santarém na maior das descrições, enquanto os Otelos e Vascos iniciavam uma vida no estrelato da política, numa revolução de vaidades e de tonteria total, paga pelo bom povo português. Como sempre, de resto.

Salgueiro Maia é para mim o herói da democracia. A fotografia do Eduardo Gageiro feita no instante em que houve a rendição das tropas do regime, em que o capitão está a morder o lábio para não chorar (segundo a descrição do próprio) é o momento da grande verdade, a altura exacta em que passámos de um regime caduco e decadente para uma democracia, embora trauliteira e demasiado festiva.

Salgueiro Maia morreu em 1992, jovem, injustiçado pelo destino da vida. No ano seguinte, Cavaco Silva, então primeiro-ministro, recusou dar á viúva uma pensão por ter sido mulher do herói de Abril. Mas deu uma pensão vitalícia a dois agentes da PIDE.

No próximo dia 10 de Junho vai condecorar a viúva de Salgueiro Maia. Não sei se ela vai aceitar a comenda ou, se o fizer, o que irá dizer ao ex-primeiro, no momento de este lhe afixar a medalha. Talvez morda o lábio, como o fez o seu herói-marido, para não chorar. Não de raiva mas de vergonha.

Oxalá o Presidente, que agora experimenta um novo estilo não só no penteado mas também no sentido de humor, não se lembre de fazer comendador no Dia da Raça do ano que vem, o escritor José Saramago!...

2 comentários:

  1. Isso de dizer que não deu ao Salgueiro Maia e deu aos dois Pides é muito fácil de dizer e de aparentar que o Cavaco tem simpatia pelo antigo regime. Resta é dizer PORQUE é que os dois antigos pides receberam essa pensão e o que é que eles fizeram por Portugal. Essa é a parte que ninguém conta.

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  2. O Luiz, o comentar é salutar. O comentar com pretensão de análise é um risco. O comentar com afectos é simpático. O comentar por comentar é bacoco. O comentar com posicionamento encoberto é desprezivel.
    Por estas e outras razões o seu comentário se aceita e avalia. Como sabemos todos, a política é o que é, e em democracia é uma caldeirada de posições e interesses por vezes muito pouco lisonjeiros. E, alguns comentários colocados por sí até me fazem sorrir. Cavaco não pode condecorar Saramago porque este já é comendador

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