Páginas

terça-feira, novembro 06, 2007

Acidente da A23 mal coberto pelas televisões

O acidente com o autocarro na A23 fez-me lembrar o acidente de Alcafache em 1985.
Eu estava a trabalhar na Nova Gente, tinha chegado a casa do cinema, quando ouvi na RTP uma notícia pouco aprofundada dizendo que tinha havido um choque de comboios. O acidente tinha sido por volta das 17 horas, mas à uma da manhã a RTP pouco ou nada sabia e não tinha imagens para mostrar.
Não hesitei: fui bater ao porteiro que tinha a chave da garagem onde tinha o meu MGB-GT guardado e fui de imediato a caminho de Carregal do Sal procurando o local da tragédia.

As estradas eram desgraçadas naquela altura, não havia auto-estradas, e mesmo assim fiz em duas horas e um quarto a viagem.
Estava escuro como breu, já havia bombeiros e alguns jornalistas no local.
O amanhecer foi terrível: à medida que a luz nascia os corpos iam-se descobrindo entre a neblina matinal e o pó ainda levantado pelo impacto do brutal acidente.

Eu comecei a fotografar. Usava duas Leicas, uma M4 com preto e branco, e uma M3 com uma 21 mm com slide, e ainda tinha uma Nikon FM com negativo cor.

O negativo cor era para a Nova Gente, o pb para mim e o slide para a SIPA PRESS de quem eu era correspondente.
Lembro-me do Luís Ramos a trabalhar para o Expresso e do Alberto Frias para a Associated Press. Por volta das 11 da manhã regressei a Lisboa. Parei em Alcácer do Sal para pedir junto do gerente do meu banco para me deixar levantar dinheiro, pois não tinha saído com verba. Ele acedeu em me deixar fazer uma espécie de vale.
Às duas da tarde estava já no Aeroporto da Portela à procura de um passageiro que me levasse os filmes para Paris para de seguida um estafeta da agência os recuperar em Charles De Gaulle. Nesse tempo ainda se podia mandar encomendas por passageiros desconhecidos!
Na Nova Gente o patrão Jacques Rodrigues ficou contente com a minha rapidez em ter ido logo, o que possibilitou ao Rui Camacho, pai do Paulo Camacho, então chefe de redacção, publicar 5 páginas com grandes fotos e um texto meu para a edição da semana.

A RTP tinha feito um trabalho vergonhoso só tendo dado imagens na manhã seguinte, tarde e más.

Passados todos estes anos, quando se fala tanto de jornalismo do cidadão e das ferramentas multimédia que possibilitam a notícia instantânea através de telemóveis e computadores portáteis ( veja-se o que está a fazer a Nokia com o N95 e a Reuters), passados estes anos, as nossas televisões precisaram de mais de 5 horas para darem uma imagens tremidas de um acidente a uma hora de Lisboa.
À meia noite na SIC-N estava um jornalista a falar ao telefone como se estivesse noutro planeta ( porque na Terra já há satélites em todo o lado!) a dizer banalidades e de imagens...nada. Apareceram umas imagens em pescadinha, não montadas, desfocadas e tremidas.
Infelizmente não avançámos muito desde os tempos rudes de 1985. Pensamos que avançámos mas na hora verificamos que não estamos mais ágeis, menos burocratas, mais profissionais, embora tenhamos agora a tecnologia toda do nosso lado e a custos baixos.
Como jornalista,digo isto com imensa mágoa.

8 comentários:

  1. De facto a informação da SIC via phone estava uma cáca.

    Mas o socorro foi rápido. Felizmente.

    Só não percebo porquê que em Dezembro de 2006 se deixam morrer 6 pescadores, a meia dúzia de metros da praia da Nazaré.

    LUZ DO SAMEIRO !

    A não esquecer ....

    ResponderEliminar
  2. Retiro esta fase do seu texto, e mesmo correndo o risco de o fazer fora do contexto do sentido do seu post, de que «As estradas eram desgraçadas naquela altura, não havia auto-estradas, e mesmo assim fiz em duas horas e um quarto a viagem».
    E vou ser duro consigo.
    Duas horas e um quarto para fazer tal percurso seguramente que não fez uma condução prudente, estando, também como diz, «escuro como breu» e ainda teve que «procurar o local da tragédia».

    Desculpe Luís, mas é por estas e outras loucuras que acontece tanta merda nas estradas.
    Durante três anos conduzi por Portugal inteiro, umas vezes num carro de serviço miseravelmente cansado do motor e com estofos que me levavam a ter fazer tratamentos de fisioterapia.
    E num dos três carros que tenho, os quais no seu conjunto valem menos do que um “MG”, um deles é um AX com 230.000 quilómetros, no qual durante dois anos fiz mais de mil quilómetros por semana em deslocações de e para Lisboa.
    E vi muitos “MG” encostados e abraçados a muita desgraça. E eu lá ia no meu AX, que devagar se chega longe.

    E que fazem lá faltam as televisões?
    Para mostrar cadáveres, sangue e miséria humana?
    Para fazer perguntas tontas a familiares das vítimas, do género de «como sente perante esta tragédia»?

    Vá lá, Luís, eu percebo o que quis dizer com o seu post.
    Eu também trabalhei assim no tempo em que se gostava da camisola da profissão e em que usei muitas vezes recursos próprios em favor dela, quando hoje anda para aí muita gente cheia de mordomias, incluindo em empresas privadas como a sua, e que não fazem qualquer sentido, quando tanta gente ainda passa fome e tanta miséria encoberta que por aí anda.

    Mas aquela frase bem que podia não ter sido escrita.

    ResponderEliminar
  3. De faco gosto bastante de ler estas histórias do Luiz. Esse pormenor de apanhar um passageiro desconhecido no aeroporto e pedir-lhe para levar os filmes é delicioso. Hoje nunca mais lhes punha a vista em cima (ou melhor, talvez até pusesse quando uns dias depois os visse à venda no ebay).

    Quanto à cobertura do acidente, há que ter calma e contenção. Para qu~e mostrar logo todas as imagens de uma desgraça de tal magnitude? Para mostrar os corpos dos velhotes no chão enquanto os familiares vêm em casa em directo? Acho que também deve haver alguma contenção do jornalismo de televisão em directo para não mostrar TUDO. Assim não se corre o risco de entrar no âmbito da "pornografia jornalística".

    ResponderEliminar
  4. Falando de bom e mau jornalismo, desci agora para tomar o pequeno almoço e no café estava a tv ligada com um daqueles programas de vómitos do goucha na TVI. Entretanto fazem um directo para o funeral de algumas vítimas do acidente e o jornalista que andava a entrevistar (chatear) os velhotes colegas das vítimas, ao entrevistar uma senhora idosa chorosa, sai-se com esta: "A A23 é tramada não é?". A minha alma ficou parva! Como é possível tanta idiotice e tanta falta de sesibilidade?!? Mas não se ficou por aqui... Depois ao descrever que duas das vítimas eram um casal referiu-se às vítimas como "corpos"; "dois dos corpos eram um casal...". Vá lá, ao menos não lhes chamou cadáveres... Mas pronto, nada de novo e perfeitamente ao nível de qualidade asquerosa a que a TVI já nos habituou.

    ResponderEliminar
  5. Para além do detalhe delicioso de como, em tempos, se podia confiar em desconhecidos (a culpa é nossa se hoje não o fazemos), duas questões se me levantam:
    1- Qual a importancia de se mostrar a violencia de um acidente? Ainda com chapa e corpos fumegantes? A adrenalina de se mostrar o sangue, colorido e escorrendo é terrivelmente viciante mas pouco util, excepto para os que dela dependem (alguns jornalistas e os empresários do negócio das notícias).
    2- Tente-se lá fazer uma reportagem video (directo ou gravado) de noite, numa estrada sem luz natural, em que esta provem apenas dos farois dos automoveis, dos rotativos dos carros de emergencia e das luzes colocadas para o resgate das vítimas. Constatar-se-á que, no mínimo, serão muito más. Claro que a fotografia de noite e com flash permite fazer outro tipo de abordagem, que se trata de uma fracção de segundo, enquanto que o vídeo são muitos segundos. E sem luz, a matéria prima da imagem, é francamente dificil.
    Para terminar, o que é mais importante no jornalismo: o relatar os factos, no instante e seja como for ou faze-lo com qualidade e profundidade?

    ResponderEliminar
  6. LC, independentemente das tuas vaidades de burguês em busca de afirmação (MGs Leicas, charutos, posar para o social, etc...), fazes uma abordagem interessante desta questão. Mas não fazes a abordagem fulcral. Por que é que, hoje em dia, uma grande noticia é coberta pela quinta linha dos media sefor fora de Lisboa e Porto. E, mesmo em Lisboa ou no Porto, depende das horas a que ocorrer (lembro-me das cheias de Lisboa em 1989,creio eu, e o unico jornalista verdadeiramente no terreno durante toda a madrugada até raiar a manhã era eu,de taxi,já agora...)Os jornalistas hoje ouvem as noticias, olham para o seu horário e. se não estiver dentro dele, telefonam ou olham para o lado...Estamos a travessar uma crise de gosto pelo que se faz.Pode ser por causa da contençao de custos devido ao "negócio" estar entregue a quem não percebe nada disto. Mas,por outro lado, não consigo entender a lentidão de certas vedetas para abordar uma notica como esta. É uma má noticia mas tem de ser dada da forma mais profissional possivel. Se fosse um despiste, sem qualquer ferimento, de uma viatura onde fosse o Cristiano Ronldo, a floribela, o Presidente ou o primeiro-ministro iriam logo a correr.É triste....

    ResponderEliminar
  7. Foi coberto em condições, na minha opinião ... ou o que se pretendia era uma martírio tipo 1 hora de telejornal a falar da caso e a repetir as mesmas imagens de 5 em 5 minutos ? Haja decência ...

    ResponderEliminar
  8. maior que o desastre da A23 é o jornalsimo da
    A SIC,A TVI,A RTP,
    A profissionaizinhos de informação!!! estas autoestradinhas em nome da informação.fazem mais mortos que o asfalto alcatroado.

    ResponderEliminar