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domingo, agosto 19, 2007

Fotojornalismo ou fotodecoração?

Tazzio Seccharolli, o famos paparazzi de lambretta que inspirou Fellini

Há pouco numa livraria passei os olhos pelo catálogo do Prémio Visão deste ano.
Não se pode dizer que não há fotografia nem fotojornalismo por cá. Estão lá reportagens fortes, boas fotos e muitos nomes desconhecidos, o que quer dizer que há sangue novo a disparar. É bom.
Temos mais fotógrafos do que espaço nos jornais e revistas e temos melhores fotojornalistas do que jornais. Muitos daqueles trabalhos passaram desapercebidos nos jornais ou revistas de onde são oriundos.
Muitos deles terão tido uma edição desgraçada, as fotos devem ter sido esquartejadas, sem hierarquia gráfica, sem ligação. As fotografias são na maioria dos jornais o tapa-buracos, o enfeite, a mancha gráfica que dá jeito, o fundo que os gráficos ( agora promovidos a jornalistas!) adoram usar para puderem meter títulos.
A fotografia serve para quase tudo menos para o que devia: dar informação, dar credibilidade, convidar os leitores a mergulharem nos textos ou serem elas próprias o veículo principal de informação. Fotojornalismo contra a fotodecoração, informação gráfica contra a mariquice das fotos giras, bonitas, artísticas. Fotojornalismo, carago!...

Neste catálogo da Visão sente-se que há boas fotos ( como nos sites de foto-amadores, que estão cheios de fotos bonitas) mas raras são as que mostram um olhar pessoal, diferente, com carácter.

Há uma moda de fazer fotojornalismo: a grande angular, a dispersão dos enquadramentos, a falta de intenção, de marcar um rumo. Falta escola e falta estilo, sobra habilidade. Há pouco envolvimento com os temas, pouca emoção e sentido gráfico.
Raras são as imagens que acabam por nos ficar na memória.

O que se deve questionar é se estas fotografias contam o Portugal de hoje.
Se daqui a 20 anos serão estas as fotografias que poderão documentar o Portugal da crise de crescimento, do desemprego, da juventude sem causa, dos rebeldes dos subúrbios, das culturas que importámos, das ucranianas que alegram os olhares, dos bairros negros, das praias coloridas, do Algarve novo-rico, da destruição da paisagem, do desemprego, da modernidade, da decadência moral, da apatia política, da religião imparável, do crepúsculo comunista... bom, são muitos temas que estão a mudar Portugal e os fotojornalistas têm esta missão, sem a qual não faz sentido a actividade: testemunhar a sociedade, fazendo História, escrevendo crónicas fotográficas, como o fez Fernão Lopes com palavras no seu tempo.

Fotografias giras, bonitas, fotógrafos habilidosos e photoshop, há em todo o lado. Pode ser gratificante, simpático, egocentrista...mas não faz fotojornalismo.
Corremos o risco de voltarmos aos concursos de fotografia de salão: tudo artístico tudo entulho. Queremos arquitectos da imagem, não queremos decoradores.

Uma das grandes qualidades da Magnum, e a razão da sua sobrevivência em 60 anos, é que os seus fotógrafos estavam "lá" quando era urgente testemunhar:no Dia D, no Maio de 68, no retrato do Matisse, do Picasso etc... na Praça Tienamen, na morte do Kennedy, no choro de Jacqueline, na nudez de Agnelli, no popular que aperta a bochecha de Soares no 25 de Abril. Estavam lá. Não sei se os fotojornalistas portugueses estão sempre no sítio certo e na hora certa, e se o sabem fazer com humildade, talento e sentido da História.
Vale a pena parar e pensar nisto.

11 comentários:

  1. Com menos conversa, eu diria que fotografia é alma, sentimento, e que nos «... conta...” a vida, as memórias, os lugares, as pessoas... “por dentro”.
    E não o clique linear, gráfico, frio e sem emoção.
    Ou é impressão minha ou hoje estou muito poético...!
    Ou será “pindérico” como o Luís, às vezes, gosta de dizer...?
    Gostei imenso do post.

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  2. Quando comentei o post não vi a imagem, a qual já conheço há muito tempo.
    E, agora, num registo mais prosaico, não resisto a contar aqui um episódio.
    O polícia ou militar da imagem (não sei) lembra-me sempre um antigo colega, um tipo fantástico, daqueles camaradas que já existem pouco e com o qual convivi na academia durante três anos no mesmo quarto (mas em camas separadas...).
    Então, um dia qualquer, o tipo aparece com um lanho na testa.
    Acontece que ele gosta muito de fazer ciclismo e a BT passou por ele e, ao ultrapassá-lo, conheceu-o.
    Ele, que ia bem embalado na pedalada, não se apercebeu que o carro da BT parou à sua frente para os colegas o irem cumprimentar.
    E vai uma valente cabeçada na viatura policial e a bicicleta para a oficina.
    Concluindo, acho que o Luís ás vezes tem razão quanto à BT.
    Estes gajos só atrapalham.

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  3. Grande lição que é este post! Fazem falta mais assim!!

    Fui ver este fim de semana a exposição. Sinceramente gostava mais da forma como estava organizada no CCB, as pessoas faziam um percurso seguindo um corredor. No Museu da Electricidade é uma confusão enorme e quem não está atento pode sair sem ver tudo.
    Algumas das impressões das fotos do BES/Visão estavam muitissimo escuras (lembro-me das fotos do cavalo na zona ardida e da foto da fadista).

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  4. pois é isso tudo...

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  5. Bom post.
    Pois eu conheço alguns nomes dos que estão no catálogo e até dos que foram distinguidos.
    E é pena que muitos deles nunca tenham feito fotografia jornalistica.
    Saem no fim de semana por aí e tiram uns bons postais que submetem a concurso. E até são distinguidos.

    Considero este prémio muito importante para o fotojornalismo nacional mas penso que seria indispensável que a organização fosse mais honesta com esta questão e não tivesse unicamente interessada nos números de participantes.

    Deveria ser obrigatório a declaração da entidade patronal a atestar que fulano é fotojornalista desse jornal ou que colabora regularmente. Aos free, também seria possível provar isso. Bastava uma declaração das finanças em como está registado como tal.

    Deixemo-mos de tretas: no distrito de Santarám, por exemplo, não conheço nem um fotojornalista que esteja a trabalhar como tal em nenhum jornal.
    Será que em Lisboa há trabalho para toda essa gente que se diz fotojornalista?

    Ou será que também nesta classe há anónimos?

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  6. Não resisto a voltar ao mesmo:
    Será que é função do fotojornalismo “cobrir” ou retratar em exclusivo os aspectos negativos?
    Será que, na opinião do autor deste blog, nada há de bom ou positivo que mereça ser registado para a posteridade ou, tão ou mais importante, exibido e dado como exemplo hoje?
    Esta abordagem do fotojornalismo em particular, do jornalismo no seu todo e da fotografia no geral recorda-me ou espelha a sociedade em que vivemos, em que o que conta são as regras pelo negativo, a legislação que define o proibido e a punição. Os exemplos, os actos de sucesso, o que de bom acontece ou se recomenda fica relegado, se tanto, para as secções dos acontecimento eventuais e com cabimento nos media se mais nada houver para lá pôr.

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  7. Há uma frase que se utiliza sempre em acções de formação na área do jornalismo: uma mulher que tropeça e cai na rua não é noticia, a menos que seja a mulher do presidente da república.

    E há um exercicio que também se faz sempre: "Aqui ao lado há um grande acidente que envolve 30 automóveis. A primeira coisa que um jornalista deve saber é se há mortos e quantos..."

    Claro que isto deve ter uma explicação mais profunda.

    E ainda há dias recebi o ultimo número da revista "Turismo de Lisboa", que tem um bom papel e toda a cores e "a coisa" verifica-se por inteiro. A capa é um retrato enorme do rosto do ministro Mário Lino com um fundo amarelo torrado para dar a ilusão de calor.
    Como se pode confirmar, a desgraça vende sempre...

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  8. o problema é outro é a deficiente formação dos jovens portugueses nesta área. São ensinados a idolatrar as glórias nacionais e internacionais, mas não são instigados a procurarem a própria glória lá fora onde há realmente mercado e mais uma vez se repara que nas agências internacionais há fotojornalistas de todas as nacionalidades menos portugueses ? Será que são tão maus assim I mean técnicamente ? ou não sabem inglês suficiente ? ou os "professores" que lhes coube na rifa não passam de "mestres"-escola de aldeia?
    Daqui deste anonimato provocador...um desafio...largam o bem bom das namoradinhas locais, os papás e as mamãs e "ataquem" as dezenas de oportunidades que se abrem por esse mundo fora se tiverem engenho e arte para se desenrascarem neste mundo ultra competitivo mas nem por isso vedado a nenhuma nacionalidade que é o fotojornalismo.
    Deizem Lisboa ou Porto Aveiro Carrazeda de Ansiães e vão para a Faixa de Gaza, Darfour, Afeganistão ( antes falem c o Nobre da AMI e estudem os percursos de outros fotojornalistas espanhóis malgaches franceses etc os sites das agências ) enfim set sails to the world of news

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  9. ...mas se por acaso as vossas tripas não estiverem para essas andanças então dediquem-se a jogar ao berlinde na Bolsa a assesorar o Joe Berardo a liderar uma claque futeboleira...porque prá além da fotografia trivial, ou comercial, cá é mentira anda tudo cego...eu até sou daltónico ao preto e branco vejam lá vocês......

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  10. Bela foto do velho Tazzio Seccharolli de Rollei em punho, ora amigo ora voyeur indiscreto das starlettes e das celebridades que enxameavam a Riviera italiana ( Sofia, Claudia, etc ) e a quem Fellini chamou pela 1ª vez "paparazzo" ( equivalente em italiano - paparaceo - a melgão ou mosquito irritante ) transpondo depois o nome para uns dos seus personagens, no admirável La Dolce Vita. Segundo o prórprio Fellini o Signore Paparazzo foi mesmo inspirado no próprio Tazzio.

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  11. Boa e notável cultura fotográfica !

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