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sexta-feira, agosto 24, 2007

Já se fala chinês no Cavaquistão

Um castanheiro com 300 anos. Hoje. Foto de Luiz Carvalho

Numa bomba de gasolina perto de Sernancelhe, em pleno Cavaquistão, pára ao meu lado um Mercedes CLK. A condutora é jovem e a acompanhante com ar de sua mãe tem um aspecto de mulher do campo, tradicional. A gasolineira, jovem e magra, traz uma daquelas calças sem gola e umbigo à mostra. A Beira- Alta que eu conheci na minha infância era bem diferente. Mudou e ainda bem. Houve por aqui um desenvolvimento evidente, que não tem só a ver com o regresso de alguns emigrantes. Os apoios comunitários para uma geração que hoje tem à volta de 30-40 anos ( alguns filhos de emigrantes mas que nunca daqui saíram) e o papel das autarquias no chamado progresso ( ainda que pago à custa dos contribuintes que nunca aqui puseram os pés!) possibilitaram o aparecimento de uma região onde hoje se sente qualidade de vida e bem estar.
As moradias enormes desintegradas da paisagem, ostensivas e de uma certa arrogância nova-rica estão por todo o lado. Os armazéns que desafiam a paisagem, estragam a escala e assustam os lobos, proliferam e dão o sinal de que há uma industria a laborar. A castanha, o granito, os frangos, são algumas das actividades que trazem dinheiro. Os emigrantes rebentam foguetes e trazem um parque automóvel de ficar boquiaberto. Atrás da minha casa, num beco onde outrora as vacas deixavam a bosta a ornamentar a quelha, estava um BMW série 7, last model. “É igual ao do Cavaco Silva”- alguém comentava com pronúncia do Norte.
A vila de Sernancelhe, que foi um baluarte contra o comunismo da 5ª Divisão em 1975, defendido pelo Padre Cândido de Azevedo, seguramente o último salazarista vivo ( Jaime Nogueira Pinto é um estagiário comparado com ele!) é hoje um concelho presidido por um PPD, que nunca o foi, e que apostou na pujança da terra. Numa vila pequena, ele conseguiu um centro de saúde excelente, um centro cultural de arquitectura arrojada, um lar de idosos modernaço, rotundas para a malta andar às boltinhas, estradas e circunvalações, uma biblioteca municipal e muitas obras que não consigo citar de memória. Há estradas alcatroadas até para um souto do meu pai que hoje visitei e onde existe um castanheiro da família com 300 anos.

Para quem precisou de meter uma cunha a um salazarista influente para nos anos 70 a Sarzeda ( a minha aldeia) ter electricidade ( anos 70 meus caros!) é de se ficar espantado com a competência do autarca de Sernancelhe. Quando olho para esta obra feita sinto satisfação, porque é bom sair do miserabilismo e dar dignidade e conforto a esta gente que sempre viveu no esforço máximo para uma vida mínima. Há no entanto um certo exagero em custos em infra-estruturas para uma comunidade tão pequena. Por exemplo: hoje descobri uma pista para putos andarem de carros de pedais para aprenderem o código da estrada. Parece que o Sampaio foi lá inaugurar aquilo. Às 5 da tarde ainda estava aberta e ao lado havia crianças a saírem de um ATL num palacete comprado pela câmara e restaurado. Quem me dera ter aquele luxo no Estoril para o meu filho ! Tudo á borla, pago aqui pelos totós no IRS. Mas tem e isso é bom.
Vive-se muito melhor na província ( desculpem o termo) do que nas grandes cidades e aqui há uma relação de proximidade enorme entre o poder autárquico e os eleitores. Eu que sou um anti-autarcas primário acabo por ter de reconhecer que aqui o Poder dos eleitores e o controle do exercício do Poder é muito mais directo e eficaz. Falam do Jardim ? Venham ver aqui. É a mesma escola: competência, obra feita, proximidade com os eleitores e favoritismo político. “ Quem está comigo mama, quem não está que esteja”- assim comentava para mim um preterido pelo Presidente.

O desenvolvimento deixa para trás a memória, a cultura ancestral, a poesia que estas terras continham. O falar cantado já quase não se ouve. Numa pisaria de um ex-emigrante, em Sernancelhe, entra uma francesa de “calçonetes” e pede em francês e é servida na língua mãe. Ça va bien ! Bom... Uns metros acima, ao lado daquela que foi a padaria mais famosa da terra lá está uma loja de chineses a “falalem” chinês. Não acredito !Lá está a loja cheia de tralha. Nenhum beirão precisa de nenhum traste daqueles. Chineses no Cavaquistão ! Chinocas nas terras do Demo ! Fala-se chinês na terra do Aquilino Ribeiro? Pourquoi-pas ?

Por detrás do desenvolvimento: a paisagem sacrificada ao negócio do granito para exportação, o lixo que invadiu as margens do Rio Távora onde eu passei tardes de encanto com o meu filho André há 20 anos, o desprezo pelo património, o fim da arquitectura popular, os supermercados em força, o fim das tascas e das mercearias de aldeia ( bem porcas, sempre sem nada e com produtos fora de prazo, é verdade!) a perda de uma harmonia que cruzava as gentes e as suas poses, o som, a luz, o cheiro ( ás vezes a merda de boi!!) a cozinha tradicional, os cantares, as motorizadas Famel Periquito, as bicicletas à inglesa, a fé.

É um Portugal muito melhor, sem dúvida. Se tivéssemos podido acompanhar o desenvolvimento cultural com o económico isto podia ser hoje um mundo quase perfeito.

Ao caír do dia, no fim do caminho quando o Range já não tem espaço para avançar entre muros de pedra caída e silvas, não muito longe uma figura foge recortada pelo Sol do entardecer. Foge e ainda me olha. Uma raposa! Divino.
Andei uma vida para ver isto.

4 comentários:

  1. Que poderá existir de comum entre Paulo Querido e Amélia Gay Cu Lasso?...

    http://asvicentinasdebraganza.blogspot.com/2007/08/que-poder-existir-de-comum-entre-amlia.html#links

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  2. palavras para quê ? o porttugal pitoresco que encantava os intelos estrangeiros e seus amigos portugas foi-se á vida...neste novo Portugal já não há lugar para a poesia de Pascoes ou Espanca . Venha então Emanuel, Monica Sintra, e outras que tais para alegrar os arraiais.

    Serrnacelhe não chegou também considerada a ser aldeia ex-libris portuguesa ?

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  3. Activistas destroem carros transgénicos em Fernão Ferro
    _ notícia geneticamente modificada_

    Oitenta e dois activistas contra os automóveis geneticamente modificados (AGM) vandalizaram anteontem um stand automóvel de carros transgénicos na localidade de Fernão Ferro, distrito de Setúbal.
    Esta intervenção foi levada a cabo pelo grupo Azul Piedade, uma facção extremista da organização proto-ambientalista Intifada Madrinha, a que se juntaram alguns curiosos que estavam no local a admirar as viaturas e se sentiram atraídos pela “perspectiva de violência gratuita”, segundo as declarações de um popular ouvido no local à agência Tusa.

    Um dos dois sócios proprietários do espaço, de 34 anos, não escondeu à Tusa a "indignação" pelo ocorrido.
    "Não sei quando poderei reabrir o stander. Ainda estou em estado de choque", disse-nos. “Os responsáveis por esta barbárie deveriam ser perseguidos e exemplarmente condenados.” Depois de asseverar à Tusa que o estabelecimento comercial se encontrava “dentro da mais pura legalidade”, o proprietário, visivelmente consternado, mostrou uma foto de um dos AGM que tinha à venda no stand.



    “Esses indivíduos tinham a cara tapada, mas lembro-me de um deles ter dito que ia usar a cobertura deste carocha na tenda de campismo. Disse que ia deixar a tenda fechada e coberta pela estrutura, e já não tinha medo de deixar a erva lá dentro.”

    Os activistas exibiram cartazes com dizeres como "Transgénicos é mau”, “Tuning = crime ambiental” ou "Ó madrinha, quero fazer cocó!". Meia hora depois, foram expulsos do local por um grupo de fãs da banda Guns`n`Roses (GNR), que se dirigiram ao local vindos da Praia do Meco, alertados por populares.

    "O que se passou foi uma vergonha!" – foram as palavras de Fahrid de Almeida, um transeunte que assistiu à acção. “Como se não bastasse, eles são incorentes. Gritavam palavras de ordem contra o tuning e os transgénicos, mas vinham a ouvir música trance nos carros”, afirmou ainda.

    A agência Tusa tentou entrar em contacto com responsáveis da Intifada Madrinha, que se escusaram a conceder entrevista, afirmando todavia "estarem de luto até ao extermínio total dos carros transgénicos". Ainda assim, enviaram-nos uma gravação de uma das suas reuniões*:



    Os carros transgénicos, expressão popular que designa os AGM, constituem uma das maiores fontes de preocupação da população portuguesa. Numa sondagem realizada há 2 meses pela Universidade Escanchada, estes surgem em 3º lugar na lista, logo a seguir ao desemprego e ao regresso de José Cid aos palcos

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  4. Sinceramente não vou à baixa. Adorava, mas não vou. É um pouco como África: tenho medo e calor.

    A Baixa -- não confundir com o Chiado, bem mais elegante, embora ainda pouco sofisticado [e foi daí que veio a foto] -- resume-se a lojas decadentes, ruas estreitas e sujas, com carros e sem espaço para pessoas -- e também sem espaço para parar os carros.

    Estou-me nas tintas para a ideia de tirar as lojas chinesas da Baixa. Se não fosse pelos acordos da OMC e a Constituição Portuguesa, bem como as boas relações diplomáticas com a China, era e é, sobretudo, porque as restantes não são muito piores.

    Tem de agir-se na Baixa.

    Mas essa acção não se resume -- nem pode incluir -- a retirada de lojas chinesas da Baixa. Sobretudo para as colocar numa duvidosa 'Chinatown', que seria ainda pior, arriscando-nos a ter um ghetto povoado ou pelo menos dominado por máfias asiáticas sinistras e perigosas, se não para quem lá fosse, para quem lá vivesse ou trabalhasse.

    O que é preciso na Baixa -- como de resto no resto de Lisboa e no resto do país -- é limpeza e qualidade.

    Limpar ruas e paredes, pintá-las, ter espaço para carros e pessoas, ter transportes públicos decentes, ter segurança nas ruas, e ter lojas limpas, com boa apresentação, produtos de qualidade, atendimento profissional.

    Fim às lojas sujas, mal-cheirosas, mal amanhadas, com tudo amontoado, empregados antipáticos e ignorantes e que muitas vezes nem falam português e muito raramente inglês, fim aos preçários feitos à mão em papel de rascunho com canetas de feltro, colocados na rua mesmo para se tropeçar ou ser atropelado ao usar a estrada, fim às montras de mau gosto, à falta de ar condicionado, aos produtos de plástico ranhoso ou que não interessam para nada, às lojas sem multibanco ou que não aceitam cheques, ou que têm sempre tudo esgotado, ou que fecham aos fins de semana ou nas férias, ou à tarde, ou ao almoço, fim às lojas que não fazem embrulhos de presente ou os fazem mal, e aos empregados que nos atendem como se fosse uma deferência ou favor da parte deles...

    Parece que só se consegue algo de jeito indo à Carolina Herrera, à Zegna ou à Vuitton na Avenida da Liberdade [e mesmo assim...].

    É isto que é preciso mudar, e isto abrange tanto lojas chinesas, como portuguesas, como indianas. Todas. Em Lisboa e fora dela. E nem vamos falar de cafés, bares ou restaurantes... para não perder a sede ou o apetite.

    Não pode ser.

    Se conseguirmos isto, podemos considerar-nos civilizados. Para já, vou aos saldos de Londres. É que nem sai mais caro...

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