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quinta-feira, abril 12, 2007

António Barreto comenta Sócrates na RTP

António Barreto no Público:
O sr. primeiro-ministro negou ontem na televisão, indignadamente, que fosse "um especialista em relações públicas". Temos de o acreditar. Mas não há dúvida que ontem na televisão o sr. primeiro-ministro até pareceu "um especialista em relações públicas". Para começar, arrumou com brandura o caso da sua carreira académica, que afinal não é um caso. A Universidade Independente mandou e ele cumpriu. Quanto à burocracia, não sabe, nem se interessa. Quanto ao dr. António José Morais, que lhe "deu" quatro cadeiras, não o conhecia antes. Quanto ao resto, toda a sua vida de estudante só revela "nobreza de carácter", vontade de "melhorar" e de se "enriquecer" (intelectualmente). Um exemplo que ele, aliás, recomenda aos portugueses. Ponto final.A minha ignorância não me permite contestar explicações tão, por assim dizer, "transparentes". Claro que nunca ouvi falar de um professor que "desse" quatro cadeiras no mesmo ano ao mesmo aluno, nem num reitor que ensinasse "inglês técnico", nem num conselho científico que fabricasse um "plano de estudos" para "acabar" uma licenciatura. Falha minha, com certeza. Se calhar, agora estas coisas são normais. O sr. primeiro-ministro também declarou que ele e o seu gabinete não telefonam a jornalistas com a intenção malévola de os "pressionar". Pelo contrário, só os querem esclarecer. Ficamos cientes.Fora isto, Sócrates demonstrou facilmente que o governo é óptimo e que ele é determinado, decidido, inabalável, responsável e bom. Portugal inteiro está, como lhe compete, agradecido. a O debate começou bem e foi ficando progressivamente mais complicado, a partir mais ou menos dos 20 minutos. Porque um debate que normalmente seria sobre o estado da Nação a meio de um mandato do Governo, acabou por ser sobre o currículo académico do primeiro-ministro. José Sócrates começou bem, tentando mostrar algum sentido de Estado ao querer separar o seu caso do da Independente. Foi habilidoso. O seu caso exigia, porém, prova documental, e talvez uma entrevista numa televisão não fosse a melhor maneira de a produzir. Conseguiu desmontar bem o alegado caso de assassínio de carácter, mas acabou por se atrapalhar nos pormenores. Ficou muito emperrado na questão emenda dos documentos da Assembleia da República, bem como nas notas lançadas pela Independente a um domingo. As questões de facto foram remetidas para casos de secretaria. José Sócrates quis ainda reconhecer que existem diferenças entre dar explicações aos jornalistas e fazer pressões e foi cínico sobre a OPA. Ninguém acredita que o Governo não tivesse desse indicações à Caixa Geral de Depósitos. Foi de uma candura que soou a cinismo. Foi interessante nesta entrevista a palavra blogosfera ter entrado nesta entrevista na discussão política.a O único momento verdadeiramente surpreendente da entrevista do primeiro-ministro à RTP foi quando explicou que escreve o pronome seu no fim das cartas, para ser como o inglês yours. Isso e a ideia de que, afinal, o substantivo engeheiro não designa uma competência mas sim um rótulo social definiram uma entrevista que valeu pelo que não se viu. Desde logo não se viu o balanço dos dois anos do Governo, que era a justificação da entrevista. Ora, gastou-se mais tempo com a Independente. A entrevista ou era uma coisa ou era outra. As duas, não podia ser. O dois-em-um não podia dar certo. José Alberto Carvalho conseguiu o tom certo numa conversa que o entrevistado queria de bom tom. Esforçou-se e tinha sem pre uma pergunta engatilhada. Nomeadamente no dossiê Independente. Maria Flor Pedroso, que é da rádio, estava a jogar fora e deixou-se ficar num papel mais apagado. Ganhou a noite, o primeiro-ministro? Pareceu-me que sim. E como, nestas coisas de televisão, o que importa é parecer, se pareceu, deve ter sido. A entrevista foi um bom sintoma daquilo a que está reduzida a política portuguesa: um aeroporto que ainda não existe e uma coisa que não se sabe se alguma vez foi uma universidade. Onde estão a ideologia, a Europa, as questões sociais? Nada. Sócrates gosta de passar a imagem do homem de acção que fala pouco. O problema é não ter obra para mostrar. Pouco mais pode fazer do que imitar o treinador do Benfica: prometer a Lua, iludir as derrotas e prometer a taça no ano que vem. Mas os eleitores sabem que é a fingir. a Simplesmente patético! Um primeiro-ministro a defender-se com um arguido! Um primeiro-ministro a considerar insinuações as mais legítimas dúvidas da imprensa e da opinião pública! Um primeiro-ministro que acha normal que um deputado, ministro depois, se matricule em curso superior e obtenha diploma académico de recurso (feito em três universidades diferentes), ainda por cima em estabelecimento não reconhecido pela respectiva Ordem profissional! Um primeiro-ministro que não percebe que um deputado e um membro do governo não têm os mesmos direitos, ou antes, as mesmas faculdades que os outros cidadãos e não podem nem devem apresentar-se como candidatos a cursos pós-laborais que lhe confiram estatuto académico a que aspiram! Um primeiro-ministro que considera normal e desculpável que os seus documentos oficiais curriculares sejam corrigidos e alterados ao gosto das revelações públicas!Era tão melhor julgar os políticos por razões políticas e não por motivos pessoais ou de carácter! São, infeliz e necessariamente, sinais dos tempos. Dinheiro, sexo, cultura, vida familiar, gosto e carácter transformaram-se em critérios de avaliação. O facto, gostemos ou não, faz parte das regras do jogo. Com a política totalmente centrada na personalidade do líder, é natural que a totalidade da personalidade seja motivo de interesse e escrutínio. A ponto de, infelizmente, superar os fundamentos e os resultados da acção política. Sócrates está a pagar os custos desta nova tendência. E a verdade é que ele não soube, não quis ou não pôde matar o abcesso à nascença. O facto de o não ter feito avolumou o episódio. Ter dado à imprensa e à opinião pública espaço e tempo para deslindar o confuso mistério dos seus diplomas foi um erro fatal. Ter tentado exercer pressões sobre a imprensa e os jornalistas foi igualmente uma imperícia infantil. Ter a necessidade de mostrar diplomas na televisão revela uma situação em que a palavra já vale pouco e a confiança se esvai. Ter tentado justificar o facto de se matricular, como "humilde deputado", e de se graduar, como ministro, é inútil. Mas revela uma crença perigosa: a de que acha natural e legítimo que um deputado e um membro do governo possam fazer tudo isso!É possível que este homem seja Primeiro-ministro mais dois anos ou até que consiga ser reeleito. Mas uma coisa é certa: a confiança está ferida. Ora, enquanto a utilidade pública vai e vem, a confiança, quando quebra, não tem cura. As feridas de carácter não cicatrizam.

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8 comentários:

  1. Eu não escrevia melhor…!
    Vá lá que não teve que levar nenhum “prato” para justificar os diplomas todos.
    O importante não é mostrar que “tem” os diplomas, mas sim “como”.
    Mas como vivemos num país de esquemas, com que o “povo” tem que desenrascar, este “povo” se revê na argumentação “habilidosa” do nosso engenheiro “social”.
    Por isso, lhe deu a vitória na entrevista, por sermos uns “habilidosos”. Só que alguns não são parvos. E este é o azar dos que são cultos.
    Por isso, ás vezes, até dava feito ser ignorante. Seria uma forma de não entender os “habilidosos”.

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  2. na edição impressa este texto aparece como sendo de Vasco Pulido Valente !!

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  3. Mas, também, em boa verdade se diga, que este assunto já cheira mal, e mais não se trata do que de baixa política.
    Porque este não é o único engenheiro "social" que por aí anda.
    Por isso, porquê atacar este?
    Porque, obviamente...!

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  4. Este não é o primeiro nem será o último engenhocas da farinha amparo. Hoje em dia o título é mais um sinal de status do que outra coisa. O xico da esquina tem a 4ª classe, mas como tem um cargo de alta responsabilidade tem de ser obrigatoriamente Dr. ou Eng. ou o raio. Um licensiado que acaba o seu curso e consegue arranjar um trabalho como administrativo no deserto laboral que está este país é tratado por Senhor fulano embora todos os outros conheçam as suas habilitações.
    Onde é que já se viu um PM ser "Senhor"? Tem de levar com o carimbo de Dr ou Eng, mesmo que seja um idiota que quer afundar o país à conta de projectos megalomanos para ceder a interesse imobiliários.
    Não guardem as poupanças debaixo do colchão que não é preciso...

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  5. Antes do esclarecimento, penso que muito boa gente já estava devidamente esclarecida.
    Porém é bom de vêr o porquê da educação ter sido sistemáticamente votada ao abandono desde hà largos anos.
    Cada povo tem o que merece.
    Para a próxima (votação) continuem a dar crédito a gente desta.

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  6. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  7. Isto diz muito "O facto, gostemos ou não, faz parte das regras do jogo." É um jogo, não é nosso, dos comuns, é dos politicos profissionais. Hoje o Socrates, amanhá outro qualquer.

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  8. Como não sou “habilidoso” vou dar banho ao cão...
    Sou, julgo, uma pessoa convincente, mas inconveniente.
    Convincente, porque falo de olhos nos olhos, porque gesticulo, sou espontâneo, directo e jogo sempre ao ataque. E porque não tenho medo das tempestades, porque “quem tem medo das tempestades acaba a rastejar”. E eu detesto rastejar.
    Inconveniente, exactamente pelas mesmas razões. E mais uma, a qual faz toda a diferença. É que não sou “habilidoso”.

    Enquanto na vida profissional activa, durante alguns anos, tive que tomar decisões que interferiam nos interesses de pessoas.
    No exercício dessas funções, era tido por um tipo sério. Mas, por não ser “habilidoso”, não tinha, continuo a não ter, reputação de simpático.

    Sendo um tipo sério, era olhado com alguma desconfiança e nos testes de popularidade não tinha a mínima hipótese, nunca conseguindo ser eleito sequer para simples chefe de turma.

    Agora, na situação de “reformado”, e como gostava de ainda poder ser alguém nesta vida, venho a ponderar apresentar a minha candidatura, aqui na aldeia, para presidente da junta de freguesia.
    Mas, numa freguesia de “habilidosos”, e não sendo eu um “habilidoso”, é certinho que não tenho hipóteses de ser eleito.

    E já chega de traumas psicológicos. Está decidido. Vou antes me dedicar à pesca e lavar o Preto.
    Acho que já conhecem o Preto. Se não conhecem, eu explico. Vou antes dar banho ao cão. Assim, já se devem lembrar do Preto.

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